Demissão por justa causa durante a pandemia

CONTEÚDO E INFORMAÇÃO

24/03/2020 00:03
Informações Jurídicas COVID-19

Normas que regulam os acordos entre as partes continuam valendo DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA DURANTE A PANDEMIA

As situações previstas para desligamento por justa causa
pelo empregador vêm definidas no artigo 482 da CLT,
figurando entre elas os atos de improbidade, a desídia no
desempenho das respectivas funções, a prática de ato de
indisciplina ou de insubordinação e o abandono de
emprego.
Os atos de improbidade referem-se a toda ação ou omissão
desonestas por parte do empregado, que levem à perda de
confiança pelo empregado. Já a desídia no
desempenho das funções diz com a prática de atos que
demonstram o desinteresse no emprego, como faltas
injustificadas, atrasos e negligência. Os atos de indisciplina
e insubordinação referem-se ao desrespeito a normas
gerais ou diretas pelos funcionários. Por fim, o abandono
de emprego caracteriza-se pela ausência prolongada ao
trabalho sem justificativa para tanto.
Num contexto normal, as situações que justificam as
ausências dos funcionários ao trabalho devem seguir as
previsões contidas no artigo 473 da CLT, bem como os
atestados médicos para abono de faltas devem observar o
Decreto 27.048/49 que aprova o regulamento da Lei
605/49.

Todavia, para regular a atual situação de
pandemia, foi publicada a Lei 13.979/20, regulamentada pela
Portaria 356 do Ministério da Saúde, estabelecendo
que as medidas de “isolamento” e “quarentena” serão
consideradas falta justificada ao trabalho.
Nesse cenário, caso um funcionário apresente
exames ou atestado médico comprobatório de sua
contaminação pelo COVID-19, deverá permanecer em
isolamento, de modo a evitar a propagação do vírus,
não podendo trabalhar. O funcionário deverá ser
encaminhado ao INSS para recebimento do auxílio-doença e,
segundo medidas anunciadas pelo ministro da Economia,
terá o benefício liberado sem necessidade de perícia e será
arcado desde o primeiro dia pelo governo.
Nessa hipótese, contudo, caberia a aplicação da justa
causa, por exemplo, se o empregador apurar a adulteração ou
falsidade do atestado, caracterizado ato de improbidade
gravíssimo a justificar a dispensa do funcionário.
Outra questão que se coloca diz com o funcionário
suspeito de contaminação, cujas faltas também estariam
justificadas pela Lei 13.979/20, devendo igualmente
permanecer isolado em quarentena. A rigor da lei, o
empregado nessas condições deveria encaminhar atestado
médico por e-mail para justificar sua ausência, sob
pena de restar caracterizada a desídia funcional ou mesmo o
abandono de emprego.

Todavia, sabidamente a obtenção de atestado médico por email
será dificultosa ao funcionário sujeito ao regime do
Sistema Único de Saúde. De outro lado, exigir-se que o
funcionário suspeito de contaminação compareça a um posto
de saúde para obter um atestado médico vai de encontro ao
interesse público e mesmo ao bom senso, colocando em
risco outras pessoas.
Nesse sentido, se o trabalhador não apresentar atestado
médico e se autodeclarar suspeito, os sintomas devem ser
avaliados pelo empregador. Afinal, tanto pode se tratar de
falta injustificada, quanto caso de efetiva suspeita (embora
não comprovada), trazendo risco de contaminação dos
demais trabalhadores em atividade na hipótese de retorno
deste colaborador suspeito.
Até o fechamento deste trabalho não foram publicadas
novas legislações sobre o tema, mas seguem em tramitação
projetos de lei, a exemplo do PL 702/20[1], que prevê a
dispensa ou desnecessidade de apresentação de atestado
médico para justificar as faltas, justamente para evitar maior
exposição dos trabalhadores nos hospitais e postos de saúde
em busca de atestados. A proposta prevê o afastamento por
até sete dias, podendo o atestado ser apresentado no oitavo
dia através de documento eletrônico regulamentado pelo
Ministério da Saúde.

Também o Ministério Público do Trabalho tem recomendado
aos empregadores não exigirem dos trabalhadores a
apresentação de atestados, pelo mesmo motivo. A
Recomendação nº 1, do Grupo Técnico da Covid-19, do
Ministério Público do Trabalho, divulgada dia 21 de março
de 2020, exorta as empresas a aceitarem autodeclarações de
seus trabalhadores que estejam com sintomas do Covid-19,
desde que as atividades não sejam consideradas essenciais
pelo Decreto nº 10.282/2020. E registra ainda, referida
Recomendação nº 1, que eventual declaração falsa, além de
configurar, em tese, os crimes previstos nos arts. 171
(estelionato) e 299 do CP (falsidade ideológica), sujeitará o
empregado às sanções do poder diretivo do empregador.
Neste momento, portanto, a exigência de atestado deve ser
criteriosamente estudada e/ou flexibilizada.
De qualquer sorte, caso o empregador verifique a prática de
atos incompatíveis com a quarentena (sem atestado), como
por exemplo, postagens do funcionário nas redes sociais em
locais públicos, poderá invocar a justa causa para dispensa
do funcionário por ato de improbidade.
De outro lado, respeitadas as características de cada
atividade, o empregador deverá oferecer condições seguras
para o exercício funcional pelos empregados.

Do contrário, quem poderá invocar a justa causa para a
rescisão contratual é o próprio empregado, sob fundamento
de correr risco de mal considerável (artigo 483, inciso “c” da
CLT). Nesse particular, o empregador tem a obrigação de
proporcionar um ambiente saudável, tomando todas as
cautelas voltadas à proteção dos empregados, como a
distribuição de álcool gel nos setores de trabalho, reforço da
limpeza em locais e equipamentos de uso comum, bem como
orientar os funcionários sobre as melhores regras de
comportamento e convivência nesse período de pandemia.
Com relação às atividades sujeitas ao fechamento
compulsório por ato do Poder Executivo, como por exemplo,
shoppings e comércio em geral, quando possível, o
empregador poderá substituir a prestação de serviço
presencial pelo trabalho no domicílio, nos termos do artigo 6º
da CLT, permanecendo o empregado sujeito aos mesmos
regramentos, notadamente à anotação do horário de
trabalho para posterior inserção no sistema eletrônico da
empresa.
Ainda que nessas hipóteses seja aconselhável a
formalização da nova situação por aditivo contratual, em
razão do interesse público tal exigência tende ser relativizada
(artigo 8º da CLT).

A exigência de trabalho pelo empregador durante a
pandemia revela-se ainda mais justificada nos casos de
serviços públicos e atividades essenciais, definidas pelo
Decreto 10.282/2020, como assistência à saúde,
telecomunicações e internet, serviços de call center, geração
e distribuição de energia elétrica, entre outros. Nessas
hipóteses, a recusa do empregado em trabalhar sem
justificativa, para além de caracterizar ato de insubordinação,
a justificar a dispensa, poderá caracterizar crime de perigo
para vida ou saúde da comunidade (artigo 132, Código Penal).
Ressalva-se, por fim, a possibilidade de novas
recomendações técnicas ou legislação futura que possa vir a
regulamentar o tema, estabelecendo situações de
excepcionalidade e novas obrigações relativas às relações de
trabalho nesse período de pandemia.

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Fonte: Andrade Maia