O motivo de a Lei da Igualdade Salarial ser vista como um avanço inédito na legislação brasileira, é pelo fato de representar um compromisso social por um mercado de trabalho mais igualitário.
No dia 4 de julho, entrou em vigor a lei 14.611/23, que garante a igualdade de salário e de critérios de remuneração entre trabalhadoras e trabalhadores. Além de estabelecer salários iguais para a mesma função, a nova legislação visa aumentar a fiscalização contra a discriminação e a brecha salarial de gênero. A primeira provocativa que trago neste artigo diz respeito à redação do caput do artigo 5º da Constituição Federal: Se todos somos iguais perante a lei, em direitos e obrigações, o que a lei 14.611/23, traz de novidade quando passados quase 35 anos desde a promulgação da Carta Maior?
Importante referir que o texto constitucional cuidou de estabelecer a dignidade da pessoa humana como um dos pilares fundamentais do Estado brasileiro, com o objetivo fundamental constituir uma sociedade livre, justa e solidária. Daí, a segunda provocativa: Se o Estado brasileiro tem a dignidade da pessoa humana como um dos pilares fundamentais na construção de uma sociedade justa, por qual motivo a Lei da Igualdade Salarial é tida como um avanço? Para responder estas provocativas, é importante trazer alguns subsídios. Em reportagem veiculada na imprensa, em 8/3/22, foi trazida a informação de que as mulheres ganham cerca de 20% menos do que os homens no Brasil e a diferença salarial entre os gêneros segue neste patamar elevado mesmo quando se compara trabalhadores do mesmo perfil de escolaridade e idade e na mesma categoria de ocupação.
Infelizmente, a desigualdade salarial entre mulheres e homens que desempenham a mesma função não é uma problemática exclusiva do Brasil. Segundo a ONU, a brecha salarial de gênero no mundo é de 16%, o que significa que as trabalhadoras ganham cerca de 84% do que ganham os homens. Analisando um contexto mais generalista, o salário médio das mulheres é na maioria das vezes menor que o salário dos homens em todos os países. Em notícia veiculada na página oficial das Nações Unidas Brasil publicada em 18/9/20, no ritmo atual, a desigualdade salarial entre homens e mulheres só acabará em 257 anos.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a remuneração feminina no Brasil corresponde, em média, a 78% da remuneração dos homens. Isto representa uma diferença de mais de 20%. As causas da desigualdade salarial entre os gêneros se relacionam diretamente com as desigualdades sistêmicas que as mulheres enfrentam em nossa sociedade, dentre outras barreiras. Não há dúvidas quanto à urgência do tratamento isonômico entre homens e mulheres, não sendo admitido qualquer tipo de discriminação nas mais variadas formas de relação de trabalho. Tal conclusão não tem a pretensão de parecer uma análise exaustiva - mas sim, instigadora.
A lei da igualdade salarial é um marco pela luta da equidade de gênero, tratando-se de mais um instrumento para a transformação social na assunção de compromissos cada vez mais evidentes com o desenvolvimento social e o crescimento econômico em si, apagando desigualdades históricas.
No Brasil, na verdade, a lei 14.611/23 não criou um direito e nem trouxe uma inovação no campo do Direito do Trabalho, porquanto desde o texto da Constituição de 1988 já se trazia o debate da equidade de gênero, ainda que sob roupagem diversa da debatida hodiernamente. Ou seja, mesmo antes da alteração do artigo 461 da CLT, ocorrida com a promulgação da lei 14.611/23, resta demonstrado que a igualdade entre mulheres e homens já transitava em nosso ordenamento jurídico, não sendo possível distinção salarial por motivo de gênero. Cumpre mencionar também que o texto original da CLT estabelecia em seu artigo 461 que sendo idêntica a função, todo trabalho de igual valor prestado para o mesmo empregador, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo. A lei 13.467/17, manteve a proibição de distinção salarial, garantindo a isonomia salarial para os casos de identidade de função, prestada em um mesmo estabelecimento empresarial, sendo vedado distinção remuneratória em razão de sexo, etnia, nacionalidade e/ou idade.
Assim, pela análise acima indicada, se já não bastasse a relevância social acerca do tratamento igualitário entre homens e mulheres, é possível afirmar que a isonomia de tratamento é exigida desde a Constituição Federal de 1988, sendo direito essencial.
A nova norma reforça as medidas contra o empregador que não observar a igualdade salarial entre mulheres e homens, sendo garantido o pagamento de indenização por danos morais no caso de discriminação por motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade, sem prejuízo do pagamento das diferenças salariais. Traz, também, medidas objetivas para a implementação da política de igualdade salarial, prevendo a instituição de protocolo de fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres. Ou seja, reforça a necessidade de observância da igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, oferecendo instrumentos para garantir efetividade do direito.
Por fim, o motivo de a Lei da Igualdade Salarial ser vista como um avanço inédito na legislação brasileira, é pelo fato de representar um compromisso social por um mercado de trabalho mais igualitário. Dessa forma, certamente será garantida a quebra de um paradigma histórico mesmo em tempos de crise econômica.
Micheli Pires Soares Guerra Martins
Advogada trabalhista no Andrade Maia Advogados.
Fonte: Migalhas
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